Quando falamos em igualdade de gênero estamos, entre outras coisas, nos referindo ao respeito. Essa é a palavra de ordem, e no que remete a obras sobre a mulher, corriqueiramente nos deparamos com a ótica de homens “babando” por mulheres e prendendo-se aos seus “sorrisos”, suas “curvas”, e quaisquer outras coisas que incluam a admiração puramente romântica e física. Sabendo disso, o foco principal dessa seleção de poesias foi garimpar textos de mulheres sobre elas mesmas – uma vez que infelizmente por melhores que alguns escritores homens possam ser, a maioria deles se prende aos típicos clichês. E para comemorar o Dia Internacional da Mulher, por que não escolher poemas em que elas falam sobre elas mesmas?
São as mulheres que
fazem chorar as cebolas
como se descascassem a própria vida
e, arredondando-se então, descobrissem
um corpo, o seu
uma vida, a sua
e, no entanto, nada que de verdade
pudessem seu chamar
ou talvez sim, mas só
aquela gota de água salpicando
um canto do avental onde
desponta uma flor de pano colorida que
ainda ontem ali não ardia
Ref: Benédicte Houart é uma autora Belga nascida em 1968, fez parte do corpo docente do curso de Estética na Faculdade de Letras de Porto – Portugal.
E agora, Maria?
O amor acabou
a filha casou
o filho mudou
teu homem foi pra vida
que tudo cria
a fantasia
que você sonhou
apagou
à luz do dia
E agora, Maria?
vai com as outras
vai viver
com a hipocondria
Ref: Alice Ruiz é uma poetisa e tradutora Brasileira nascida em 1946. A autora ganhou o prêmio Jabuti no ano de 2009.
Pois que é nas mulheres que deposito minha fé
E a elas rezo para merecer essa irmandade,
À mais anônima e à que todas o nome conhecem
Às que habitam esferas passadas
e as que ao meu lado caminham.
À elas eu rezo para merecer essa irmandade,
Pois que é nas mulheres que eu deposito a minha fé.
Às mulheres que teceram, no anonimato ou na infâmia,
os espaços que ocupo, eu oriento as minhas orações:
Que eu possa ser filha, mãe e irmã de todas que encontrar,
Pois que é nas mulheres que deposito minha fé.
Nos ventres redondos, seios fartos,
Braços musculosos ou pernas fortes
Ou nos corpos frágeis recendendo suavidade,
– não importa –
Pois que é nas mulheres que deposito minha fé.
E elas ensinam e me ensinaram:
A nunca recriminar uma mulher livre,
– Nunca mais –
A nunca me reduzir em feminilidades,
– Nunca mais –
A nunca acreditar nas mentiras dos que definem,
A nunca calar diante do desamor.
Pois que é nas mulheres que eu deposito minha fé
E serão elas a me guiar nas trilhas incertas que abrimos juntas.
E que possa perpetuar a dívida eterna
Doando o que recebi a outras mulheres,
Nas quais deposito a minha fé.
As que nasceram e as que se tornaram,
As por dentro, as por fora
E as mil possibilidades da textura.
E que possamos combater
Intrincadas formas de opressão,
As que vivo e as que não.
Que contra todas eu possa lutar,
Pois que é nas mulheres que deposito a minha fé.
Que sejam elas a me dizer como ser mulher;
Ainda que desafie a compreensão,
Que estraçalhe seguranças mofadas,
Que me mostrem asperezas que não quero ver,
Pois são elas que entendem a necessidade do abraço
E são elas que determinam os meus passos.
Pois que é nas mulheres que deposito a minha fé.
Ref: Laura Moreira é uma atriz,, poetisa e militante do movimento feminista no Brasil.
Apesar de não ser uma poesia em si, o trecho de Simone Beauvoir contém a essência poética que se pode esperar de uma grande mulher. Segue o trecho e um vídeo com a atriz Fernanda Montenegro recitando-o:
“A impressão que eu tenho é de não ter envelhecido, embora eu esteja instalada na velhice. O tempo é irrealizável. Provisoriamente, o tempo parou para mim. Provisoriamente. Mas eu não ignoro as ameaças que o futuro encerra como também não ignoro que é o meu passado que define a minha abertura para o futuro. O meu passado é a referência que me projeta e que eu devo ultrapassar. Portanto, ao meu passado eu devo o meu saber e a minha ignorância, as minhas necessidades, as minhas relações, a minha cultura e o meu corpo. Que espaço o meu passado deixa para a minha liberdade hoje? Não sou escrava dele. O que eu sempre quis foi comunicar da maneira mais direta o sabor da minha vida. Unicamente, o sabor da minha vida. Acho que eu consegui fazê-lo. Vivi num mundo de homens guardando em mim o melhor da minha feminilidade. Não desejei nem desejo nada mais do que viver sem tempos mortos.”
Simone de Beauvoir nasceu em 1908, Paris, França; e foi uma importante escritora e filósofa, contribuindo diretamente para o movimento feminista. A inspiração da militância atual muito se apoia nas obras de Simone. Vale à pena conferir a apresentação de Fernanda Montenegro recitando essas belas palavras.
Seja você mesma e aprenda a valorizar
Aquele impetuoso Anjo Negro
Que te eleva num dia
E te põe pra baixo no outro
Protegendo o lugar de onde seu poder emana
Correndo como sangue quente
De onde emana sua dor
Quando estiver com fome
Aprenda a comer
Qualquer coisa que te sustente
Até o amanhecer
Mas não se deixe enganar por detalhes
Apenas porque você os vive
Não deixe sua cabeça negar
Qualquer memória
Nem seus olhos
Nem seu coração
Tudo pode ser usado
Menos o dispensável
Você precisará se lembrar disso
Quando acusada de destruição
Mesmo quando forem perigosas, examine o coração das máquinas que você odeia
Antes de descarta-las
E nunca lamente sua falta de poder
A menos que esteja condenada a atenuá-las
Se você não aprender a odiar
Você nunca estará sozinha o suficiente
Para amar facilmente
Nem será corajosa o suficiente,
Embora isso não surja facilmente
Não finja ter crenças convenientes
Mesmo que elas pareçam certas
Você nunca defenderá sua cidade gritando.
Lembre-se de qualquer dor
Que surja do seu sonho
Mas não procure por novos deuses
No mar
Nem em qualquer parte de um arco-íris
Cada vez que amar
Ame profundamente
Como se fosse para sempre
Apenas o nada é eterno.
Fale com orgulho com suas crianças
Sempre que encontra-las
Diga-lhes que você é descendente de escravos
E que sua mãe foi uma princesa na escuridão.
Ref: Audre Lorde, nascida em 1934 foi uma escritora Americana de origem caribenha, ativista dos direitos civis e feminista.
Por muito tempo viu-se no dia da mulher poemas totalmente voltados para a beleza feminina. Obviamente esse é o retrato de uma visão completamente sem sentido, uma vez que justamente no Dia Internacional da Mulher dever-se-ia refletir sobre as lutas das mulheres e sua força. Portanto, ater-se a estereótipos como a beleza feminina, sua delicadeza e sensibilidade é no mínimo irônico.
Sendo assim, nada melhor do que comtemplar mulheres falando sobre mulheres. Seus sonhos, suas esperanças, seus medos, suas forças e fraquezas são conhecidos e compartilhados por e entre elas, que são amplas conhecedoras de si.
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