Nioh, o jogo de ação desafiador do Team Ninja inspirado na história e mitologia japonesas, foi lançado recentemente. Frequentemente citado como um análogo oriental de Dark Souls – colocando de lado o fato de que a desenvolvedora From Software é japonesa -, Nioh é o título mais recente do subgênero de jogos que explodiu em popularidade nos últimos anos: os chamados “Soulslikes” são jogos difíceis e punitivos, atraindo legiões de desenvolvedores e jogadores saudosistas das primeiras gerações de consoles.
Há um certo fascínio em superar um desafio. Nós todos já experimentamos a satisfação de superar uma fase depois de inúmeras tentativas – especialmente aquelas com um chefe irritante. Até mesmo ganhar um troféu de platina ou maximizar suas conquistas em um jogo especialmente complicado pode fornecer sua própria emoção. É tudo sobre a perseguição desse momento visceral, quando você pula da cadeira e grita um “PORRA” triunfante que faz seu cão olhar pra você de lado – quem nunca?
Diga-se de passagem, eu matei todos os dez dragões supremos do Dragon Age Inquisition antes de zerar e adivinhe qual foi o que mais ficou na minha memória? O último e mais difícil! Eu já estava acima do nível 20 e não tive dificuldade real em derrotar nenhum dos monstros gigantes, mas perdi a conta de quantas vezes morri pro último! Ao ponto de voltar pra minha fortaleza, rever todos os meus equipamentos e voltar pra mais algumas tentativas. E mesmo assim, venci por muito pouco! Aquilo sim foi uma batalha épica!
Mas quando o seu sucesso se transforma em arrogância? Eu gostaria de acreditar que a grande maioria dos jogadores não despreza as pessoas que não conseguem vencer jogos difíceis, mas sim que esse tipo de idiota seja uma minoria infernalmente vocal que se posiciona contra os “casuais”. É algo que eu chamo de “culto do prestígio”, uma comunidade imaginária construída em torno da noção de que ser bom em jogos faz de você uma pessoa melhor. É um fenômeno semelhante a um modo de pensar adotado pelos estudiosos em torres de marfim nos meios acadêmicos – o intelectualismo é uma filosofia importante, que pode e deve ser cultivada, exceto quando sua latitude é tão reduzida que se torna excludente.
Uh, onde eu estava? Ah sim, Videogames. Certo. Meu ponto é: o culto do prestígio construído em torno de zerar jogos desafiadores é atado a um sentimento tóxico. Muitas vezes leva ao fanatismo, que é quando um membro de um grupo ou base de fãs ataca um membro de fora do grupo ou um recém-chegado pra determinar o seu direito de entrar no grupo. “Se você é um verdadeiro fã dessa banda, diga o nome completo de cada guitarrista que já tocou nela” ou “não jogue Dark Souls se você não consegue matar o chefe final usando apenas uma mão e vestindo um tapa-olho”.
Quer um ótimo exemplo desse culto do prestígio nos games? Street Fighter! Não o pessoal da minha época, que simplesmente se diverte entre si e não se importa em ser derrotado no fliperama de verdade – lá sim a galera sabia jogar. Refiro-me aos jogadores online contemporâneos! Essa galera que diz que o Street Fighter V é uma obra de arte, mesmo ele tendo sido lançado totalmente incompleto – por favor, o Street Fighter IV tinha mais conteúdo no lançamento quase dez anos atrás, é patético lançar uma sequência com tanto menos conteúdo. A jogabilidade está polida? Sim. Só vence quem realmente sabe jogar? Sim. Mas por que o jogo vendeu tão abaixo do esperado e porque a maioria que comprou abandonou o jogo? Por que agora até os jogadores profissionais – cultuados como semideuses entre os fãs da Capcom – estão começando a demonstrar sua insatisfação pelo jogo? Street Fighter V é um jogo bom exclusivamente pro público hardcore e não é absolutamente nada interessante pra todo o resto, verdade seja dita. Defender seu jogo favorito com unhas e dentes e xingar quem enxerga a verdade só é mais um motivo pra nos mantermos afastados dele.
Eu já encontrei a minha ex-namorada à beira das lágrimas porque foi tirar uma dúvida num fórum de World of Warcraft e foi xingada por um usuário lá. Se o cara não quer responder as dúvidas de alguém que sabe menos do que ele, por que ele simplesmente não fica fora desses tópicos no fórum? E o que ele ganhou em xingar uma jogadora inexperiente, além de comprovar pra toda a Internet que é um grosseirão imbecil? Eu quase criei um perfil só pra respondê-lo, mas felizmente outros usuários foram mais rápido e deixaram claro que aquela atitude só havia queimado a imagem dele. Cuzão.
Particularmente, eu costumo não dar muita bola pra esse tipo de coisa. Uma vez estava jogando Final Fantasy XIV e foi a minha primeira vez enfrentando um chefe particularmente difícil, o Ifrit. Eu simplesmente não sabia o que fazer e um cara da party começou a me xingar. Minha dúvida foi: por que ele não me explicou o que fazer em vezes de mandar mensagens em caixa alta? Em um momento, um jogador desconectou, o outro ficou parado sem fazer nada e tudo ficou impraticável. Eu abri o Google, pesquisei o que fazer, entendi e voltei, mas o sujeito simplesmente me xingou mais e desconectou também. Foi um pouco frustrante, obviamente, mas eu simplesmente retornei pro chefe com outro time, avisei que era a primeira vez que estava ali e, dessa vez, não foi difícil e todos saímos felizes. Tudo o que faltou foi uma simples comunicação. Um simples “não ataque o Ifrit agora, ataque aquele objeto antes que ele exploda e mate a todos nós”. É uma frase longa pra digitar no meio do combate, eu sei, mas o cara me mandou xingamentos bem mais extensos que essa linha, acredite.
Os jogos não deveriam ser pra todos? O advento da escala de dificuldade e outros recursos pra aumentar a acessibilidade está criando mais maneiras de jogar e não menos, e angariar mais jogadores só beneficia a nossa comunidade. Não devemos desencorajar as pessoas a jogar certos jogos simplesmente pra cultivar uma plataforma de elitismo. Se você preferir jogar Fire Emblem no modo Lunatic com “permadeath”, vá em frente. Se outra pessoa joga num modo mais fácil, o que muda na sua vida? Nada! Se esse tipo de coisa incomoda, você precisa reavaliar a razão pela qual joga em primeiro lugar. Fomentar a conversa respeitosa e entusiástica sobre nossos jogos favoritos é uma maneira muito melhor de construir uma comunidade saudável do que deixar comentários babacas em fóruns e grupos de redes sociais.
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