Olá, estamos trazendo hoje 10 poemas de Fernando Pessoa. Caso este nome não lhe seja familiar, saiba que ele é o autor do tão famigerado verso “tudo vale a pena se a alma não é pequena.”
Nascido em 13 de junho de 1888 em Lisboa, Portugal, Fernando António Nogueira Pessoa foi um dos principais (talvez o principal) representantes do Modernismo português e um dos maiores poetas de língua portuguesa. Trabalhou como jornalista, publicitário, crítico político, crítico literário e até mesmo como astrólogo.
Passou por alguns infortúnios durante a infância. Perdeu seu pai, que morrera de turberculose, e, no mesmo ano, perdeu um irmão que tinha poucos meses de vida. Foi durante esta fase que traçou seus primeiros versos. Em sua dolescência, perdeu duas irmãs, uma com 3 anos e outra com 2 anos.
Alguns anos mais tarde, matriculou-se na Faculdade de Letras, em Lisboa, onde cursou Filosofia por algum tempo, mas não concluiu o curso. Foi em 1912 que ele passou a se dedicar à literatura ao estrear como crítico literário na revista Águia. Dali em diante trabalhou com nomes como Mário de Sá-Carneiro e Almada-Negreiros. Também adotou heterónimos com distintas personalidades, sendo que, cada qual tinha seu estilo próprio de escrita.
Um fato interessante é que, dentre suas obras, poucas foram publicadas em vida. E alguns desses poemas póstumos também estão nesta lista. Confira!
O primeiro poema da lista é uma poesia ortónima, ou seja, foi assinada com o nome verídico do autor. É um poema depressivo, no qual o eu-lírico discorre sobre suas frustrações, seu sentimento de inutilidade, sua incapacidade de suprir seus desejos e realizar seus sonhos numa tentativa de autoconhecimento.
Tudo que faço ou medito
Fica sempre na metade.
Querendo, quero o infinito.
Fazendo, nada é verdade.
Que nojo de mim me fica
Ao olhar para o que faço!
Minha alma é lúcida e rica,
E eu sou um mar de sargaço —
Um mar onde bóiam lentos
Fragmentos de um mar de além…
Vontades ou pensamentos?
Não o sei e sei-o bem.
O próximo poema desta lista também é ortónimo. Sou Um Evadido reflete sobre a fuga de si mesmo, fuga de uma prisão chamada eu ao deixar sua zona de conforto e renegar sua identidade.
Provavelmente os heterónimos de Fernando Pessoa tenham sido uma forma de ele se libertar deste ergástulo.
Sou um evadido.
Logo que nasci
Fecharam-me em mim,
Ah, mas eu fugi.
Se a gente se cansa
Do mesmo lugar,
Do mesmo ser
Por que não se cansar?
Minha alma procura-me
Mas eu ando a monte,
Oxalá que ela
Nunca me encontre.
Ser um é cadeia,
Ser eu não é ser.
Viverei fugindo
Mas vivo a valer.
O poema que se segue é assinado pelo heterónimo Álvaro de Campos, criado por Pessoa quando morava na África do Sul. Álvaro nasceu em 15 de outubro de 1890 e estudou engenharia mecânica e engenharia naval em Glasglow. Em seu poema Todas as cartas de amor são, ele apresenta as pieguices recorrentes em cartas de amor; e as atitudes, muitas vezes, ridículas a que os apaixonados se submetem.
Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)
Liberdade é mais um poema ortónimo nesta lista. Seus versos apresentam um tom de ironia quanto ao sentido de liberdade ao discorrer sobre o valor dos livros, dos estudos, dos deveres, quando o autor, na verdade, valoriza a razão e o pensamento.
Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
Sol doira
Sem literatura
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como o tempo não tem pressa…
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D.Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças…
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
Mais que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca…
No poema Todo O Mundo de Seres e Relações, o eu-lírico faz indagações acerca da existência de seres vivos, o universo e o sentido (se é que existe algum) disso tudo.
Todo o mundo de seres e relações
Aos meus olhos (…) se dissolve
Em irrealidades e vazias
Admirações de ser. Espanta-me
De ver que há existência e existências.
E reflectindo perco-me em profundos
Pensamentos, bases uns doutros ainda
Mais profundos, até nada entender.
Tenho quase um sorriso ao ver-te, mundo,
Existir — sóis, estrelas, firmamentos,
Extensões que sufocam de terror,
Cidades, palácios (…)
Poetas (…) — ah, que diversidades
E tudo sendo. O mistério do mundo,
O íntimo, horroroso, desolado,
Verdadeiro mistério da existência
Consiste em haver esse ou um mistério!
É esta a fórmula que encerra tudo…
Todo o vácuo e horror do pensamento
E que profundamente ponderar
Não podemos sem dores de terror
E esvaimentos d’alma de pensar.
O poema a seguir é de Alberto Caeiro, outro heterónimo de Fernando Pessoa. Caeiro nasceu em 16 de abril de 1889, tornou-se órfão de pai e mãe ainda criança e estudou apenas a instrução primária. No poema O Universo Não É Ideia Minha, ele cria um paralelo entre o que captamos com nossos sentidos e a realidade, mostrando como a metafísica altera nossa percepção de mundo.
O Universo não é uma ideia minha.
A minha ideia do Universo é que é uma ideia minha.
A noite não anoitece pelos meus olhos,
A minha ideia da noite é que anoitece por meus olhos.
Fora de eu pensar e de haver quaisquer pensamentos
A noite anoitece concretamente
E o fulgor das estrelas existe como se tivesse peso.
O próximo poema é de Ricardo Reis, outro heterónimo. Nasceu em Porto, Portugal, no dia 19 de setembro de 1887. Estudou em uma escola de jesuítas e formou-se em medicina. Em seu poema No Ciclo Eterno das Mudáveis Coisas, ele verseja sobre a renovação necessária na formação de sua personalidade.
No ciclo eterno das mudáveis coisas
Novo Inverno após novo Outono volve
À diferente terra
Com a mesma maneira.
Porém a mim nem me acha diferente
Nem diferente deixa-me, fechado
Na clausura maligna
Da índole indecisa.
Presa da pálida fatalidade
De não mudar-me, me infiel renovo
Aos propósitos mudos
Morituros e infindos.
No poema Tenho Tanto Sentimento, Fernando Pessoa mostra que nem sempre opta pela razão, que também se permite ser regido pelas emoções. Ele discorre sobre o paralelo entre a vida que sonha e a vida que de fato tem.
Tenho tanto sentimento
Que é frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.
Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.
Qual porém é verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.
O poema a seguir é a prova de que Fernando Pessoa canalizava seus infortúnios para sua obra. Em Não Sei Quantas Almas Tenho, ele retrata sua vida instável e deprimida: seus problemas, a maneira de resolvê-los e como estes o afetavam. É uma poesia que definitivamente demonstra sua solidão.
Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: «Fui eu?»
Deus sabe, porque o escreveu
Por fim, segue abaixo o poema Mar Português. Poema que detém o verso citado no início do texto. No geral, Mar Português trata-se de uma reflexão sobre as desventuras que podem surgir em nossa vida e como vamos enfrentá-las. Isso fica evidente no modo como as mulheres perseveravam mesmo diante da dor de perder seus filhos, noivos e/ou maridos.
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Ao ler os poemas de Fernando Pessoa, percebe-se que ele foi uma figura um tanto quanto complexa e enigmática, vide suas inúmeras personalidades (entre 18 e 127, segundo estudiosos). As tribulações que enfrentou ao longo da vida transparecem em sua escrita ortónima e também no estilo de seus heterónimos e pseudónimos. Por conseguinte, seus poemas quase sempre questionavam o sentido da vida, em especial de sua própria.
Fernando Pessoa faleceu em 30 de novembro de 1935 por conta de uma cirrose hepática. Não deixou de escrever alguns versos nem mesmo em seu leito de morte. Seu legado é, sem sombra de dúvida, um patrimônio para a literatura lusófona.
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