Quem vê a Marvel hoje, no alto do sucesso dos filmes do seu universo cinematográfico, nem imagina que a empresa já comeu o pão que o diabo amassou, após chegar a declarar falência na década de 90 por conta de uma série de erros cometidas por seu principal executivo. E tudo isso aconteceu após ela viver um período de grande sucesso nos anos anteriores.
Mas afinal, como que a Marvel se transformou de uma empresa falida em uma máquina de fazer dinheiro em questão de 20 anos? Confira essa história abaixo.
Uma profecia
Em 1993, quando a Marvel e a indústria dos quadrinhos aparentavam estar em boa saúde, Neil Gaiman, autor do Sandman, fez um discurso que muitos consideraram uma profecia que se concretizou.
Gaiman afirmou que o mercado dos quadrinhos era semelhante a uma bolha, pois ele encorajava colecionadores e comprarem o maior número de HQs possíveis, na esperança de que um dia, eles poderiam valer uma boa grana. Gaiman ainda fez uma analogia com o que aconteceu no mercado das flores do tipo Tulipa no século XVII, que explodiu e ruiu em poucos anos.
“Você pode vender muitos quadrinhos para a mesma pessoa, especialmente se você dizer que ela está fazendo um investimento que terá retorno. Mas se você vender bolhas e tulipas, um dia a bolha irá explodir e as tulipas irão apodrecer”, disse Gaiman.
Esse bolha na qual o autor se referiu teve início alguns anos antes do seu discurso, quando os quadrinhos, uma vez considerados dispensáveis pelos pais, se tornaram itens valiosos para colecionadores que cresceram idolatrando diversos super-heróis. Tanto que na década de 80, as HQs voltaram a se tornar assunto na mídia e se inspiravam nas histórias da chamada Era de Ouro dos Quadrinhos.
Muitas editoras começaram a fazer uso da capas alternativas, que às vezes, usavam técnicas de impressão mais caras e pomposas. Muitos leitores gostaram disso, mas especialistas já afirmavam que isso poderia causar problemas no futuro.
Ron Perelman, o grande vilão
Enquanto os quadrinhos vendiam rapidamente no mercado, a Marvel chamou a atenção de um homem chamado Ron Perelman. Ele era um milionário que gostava de tirar fotos com um charuto na mão e investia em vários ramos do mercado. Em 1989, Perelman gastou US$ 82,5 milhões para comprar a Marvel Entertainment Group, que fazia parte da New World Pictures.
Em dois anos, a Marvel entrou para a bolsa de valores e Perelman resolveu gastar muito dinheiro para promover a marca: comprou ações de uma empresa de brinquedos chamada ToyBiz, comprou empresas que produziam cartas, figurinhas da marca Panini e uma empresa de roupas. Todos esses investimentos ficaram na casa dos US$ 700 milhões.
No início dos anos 90, a Marvel aproveitava o sucesso dos quadrinhos do Homem-Aranha e dos X-Men, que vendiam muito bem. E quando a série da X-Force foi lançada, ela também foi um grande sucesso, pois vinha acompanhada de cinco cartas dos seus personagens. Mas se os colecionadores quisessem ter mais cartas a sua disposição, teriam de comprar várias cópias do mesmo quadrinho. E foi o que muitos fãs fizeram.
E como Neil Gaiman previu, a bolha estourou. Entre 1993 e 1996, os lucros com quadrinhos e cartas começaram a diminuir drasticamente. E a Marvel, que parecia invencível no mercado, se tornou uma marca vulnerável.
“Quando tudo mudou, tudo que poderia dar errado deu realmente errado”, disse o então CEO da Marvel na época, Scott Sassa.
Muitas pessoas dentro da indústria culparam as estratégias de Perelman por terem causado o colapso dos quadrinhos da empresa.
“A falha no seu plano é que ele (Perelman) prometeu a investidores que a Marvel teria mais expansões de marca e um aumento de preços. Esse plano ficou claramente impossível no início de 1993, quando mais e mais fãs decidiram parar de comprar quadrinhos por conta dos custos, em meio à noção generalizada de queda na qualidade dos quadrinhos da Marvel”, disse Chuck Rozanski, CEO da Mile High Comics.
Muitos revendedores viram as vendas de quadrinhos caírem até 70% durante essa época. Logo, o mercado se tornou uma verdadeira bomba e o próprio Perelman admitiu que não antecipou o que foi dito por Neil Gaiman.
Uma batalha pelo poder
Em 1995, a Marvel estava completamente endividada. Ao notar que as perdas não paravam de qualquer forma, Perelman decidiu fazer um investimento em um território novo: criou a Marvel Studios, na esperança de que os personagens da editora ganhassem vida nas telonas. Para isso, pensou em comprar o restante das ações da ToyBiz e juntá-la à Marvel, criando uma única marca.
Mas os acionistas foram contrários, ao afirmar que isso poderia afetar ainda mais as ações da Marvel. A resposta de Perelman foi declarar falência, pois assim, poderia reorganizar a empresa sem o consentimento dos acionistas.
E isso resultou em uma luta de poder dentro da Marvel que durou dois anos. Um acionista chamado Carl Icahn tentou se opor a Perelman e fez duras críticas ao seu novo inimigo.
A briga terminou em dezembro de 1998. Após todo o caso ir à justiça, a Marvel Entertainment Group se fundiu com a ToyBiz, mas Perelman e Icahn foram expulsos da empresa. Outros executivos também disseram adeus, como Scott Sassa.
Todos foram expulsos por dois executivos da ToyBiz que faziam parte da Marvel desde 1993: Isaac Perlmutter e Avi Arad. E eles fizeram Joseph Calamari, um dos responsáveis pelo sucesso da Marvel nos anos 80, como novo CEO da empresa.
Agora que toda a turbulência passou, a Marvel, enfim, pode voltar suas atenções para a indústria do cinema, seu grande desejo.
Marvel nas telonas
Avi Arad era o CEO da ToyBiz e considerado um dos grandes desenvolvedores de brinquedos no mundo. Ele chegou a comprar 46% das ações da Marvel em 1993 e ainda ganhou mais 10% após a batalha judicial citada acima. No início, ele era o responsável por transformar os personagens da editora em brinquedos, mas logo se tornou o chefe dos filmes da empresa, substituindo ninguém mais, ninguém menos que Stan Lee.
Arad foi o produtor executivo da amada série animada dos X-Men na década de 90 e foi ele quem fez o acordo com a Fox para que o estúdio produzisse um filme da equipe de mutantes.
Por conta dos problemas financeiros da Marvel, no início, Arad teve muita dificuldade para convencer os estúdios de Holywood de que filmes com os personagens da empresa seriam um bom negócio.
Tudo mudou no final da década de 90, quando a Marvel começou a se recuperar de suas falhas. O filme do Blade se tornou um sucesso e a Fox decidiu gravar o longa dos X-Men. Mas os lucros foram mínimos no início: apesar de Blade ter arrecado US$ 70 milhões, a empresa ficou com apenas 25 mil dólares. E mesmo após X-Men e Homem-Aranha arrecadarem valores maiores, os lucros continuaram pequenos.
O nascimento de um universo cinematográfico
Em 2003, um homem chamado David Maisel deu uma ideia a Isaac Perlmutter: por que não produzir filmes sob a própria tutela da Marvel para garantir lucros maiores? E nessa ideia, ainda seria possível cruzar as histórias, da mesma forma que acontece nos quadrinhos.
Mas como a empresa ainda estava com dificuldades financeiras, o próprio Maisel sabia que poderia ser difícil convencer os diretores da empresa a investir nesse ramo, que como sabemos, precisa de muito dinheiro.
Tudo mudou em 2005, quando a Marvel fez um acordo com o banco Merrill Lynch. E ele era bem arriscado: se os filmes não dessem retorno, direitos de personagens como o Homem de Ferro, Thor e o Capitão América estariam nas mãos do banco.
O Merill Lynch emprestou uma quantia generosa de dinheiro para a Marvel: US$ 525 milhões, que ela poderia gastar em 10 filmes, que deveriam ter um orçamento que variasse entre US$ 45 milhões e US$ 180 milhões. Com parte do dinheiro, a Marvel conseguiu recuperar os direitos de alguns personagens que ela havia vendido, como o Homem de Ferro, Thor, Viúva Negra e Hulk.
Homem de Ferro foi o primeiro filme anunciado como produção independente da Marvel. E enquanto todos trabalhavam no longa, a empresa tomou outra decisão de extrema importância.
Um presidente e um acordo de US$ 4 bilhões
Kevin Feige começou no ramo do cinema como assistente da produtora Lauren Shuler Donner. E seu amor pelos quadrinhos era tamanho que com apenas 27 anos de idade, se tornou um dos produtores do primeiro filme dos X-Men. Ele acabou produzindo Homem-Aranha, Demolidor e Hulk alguns anos depois. Por conta disso, foi escolhido para ser o presidente da Marvel Studios em 2007. Ele também ajudou na produção de Homem de Ferro, que arrecadou US$ 585 milhões em bilheteria.
Outro fator de grande importância veio em 2009, quando a Disney comprou a Marvel por US$ 4.3 bilhões. E Avi Arad ainda achou pouco. “Foi barato! Essa é uma marca forte e temos planos para ela”, disse, na época da compra.
E Arad estava certo: alguns anos depois do lançamento do Universo Cinematográfico da Marvel, Os Vingadores chegou aos cinemas em 2012 e bateu a marca dos bilhões em bilheteria (e é o sexto filme mais lucrativo da história). Logo depois, veio Homem de Ferro 3, que arrecadou US$ 1.2 bilhão. E o recente Vingadores: Guerra Infinita e Ultimato já ultrapassaram a marca dos 2 bilhões.
Ou seja, a Marvel deu adeus os tempos de vacas magras e se tornou uma marca extremamente valiosa, conforme previsto por Avi Arad.
Para uma empresa que estava falida há 20 anos, a Marvel viu sua sorte mudar por completo. Ela conseguiu sobreviver a esse período sombrio e hoje se tornou uma máquina de fazer dinheiro. Como o mundo dá voltas, não é mesmo?
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Na verdade, foram dois: Tocha Humana e Namor, o Príncipe Submarino. Ambos foram criados em 1939, quando a editora ainda se chamava Timely Comics. Estrearam na primeira revista da empresa, a Marvel Comics no 1.