Era a década de 1950 no Japão. O país estava em recuperação das bombas que o devastaram 5 anos antes. Um russo encontra, ali, um mercado promissor para venda de seus produtos: vodca e amendoins. Nesse ambiente, MichaelKogan convive com o boom tecnológico pós-guerra e resolve expandir seu negócio para o de entretenimento eletrônico. Então, em 1953, ele funda a Taito, empresa focada em arcades, uma nova febre no Japão.
Cerca de 10 anos depois, Michael resolve levar sua marca para fora das ilhas japonesas. Ele manda seu filho,Abraham, para o Brasil, a fim de começar uma empresa no país. Quem conta a trajetória da Taito no Brasil é PierPaolo Cartocci, advogado que cuidou dos trâmites legais da empresa por 10 anos. Em entrevista exclusiva, ele revela como era o trabalho das fábricas, os processos por conta de fliperamas e o triste fim da empresa no Brasil.
Filas e processos
Abraham Kogan – também conhecido como Abba – chega a Manaus aproveitando a abertura econômica ocasionada pela inauguração da Zona Franca. Em 1968, em plena ditadura militar, entrar com exportação no país não era uma missão fácil. Entretanto, os arcades não eram uma febre só no Japão, mas também nos EUA e Europa. Como esses mercados já tinham outras empresas em ação, o Brasil era um espaço esperando para ser desbravado. “A empresa chegou aqui no Brasil com uma fábrica imensa, que montavas as peças em Manaus e comercializava [as máquina de fliperama] nas principais capitais do país”, lembra o advogado.
Nessa época, Pier era apenas estagiário – ou boy de luxo, como gosta de brincar. Ele trabalhava para o pai, quem de fato cuidava das questões legais. Pier explica que, para driblar o problema da importação, Abba adotou a estratégia de montar os arcades aqui, o que gerou uma série de problemas. Durante os primeiros anos, a empresa viu muita desordem, já que as máquinas chegavam do Japão sem ter quem as montasse.
“Foi uma transição muito complicada. As máquinas tinham que ser precisas, aguentar o uso em massa. Então, a gente teve muito problema com manutenção. Foi preciso trazer técnicos de lá [Japão] para fazer cursos aqui e especializar o pessoal. O preparo não foi feito, foi tudo em cima da hora. Geralmente, se faz o contrário: você antes de montar uma fábrica, já tem o expertise. Montamos primeiro, agora vamos ver quem vai dar manutenção”, conta entre risos.
Fábrica da Taito no Brasil (foto: arquivo)
Apenas 3 anos depois, a Taito inaugurou sua loja na Avenida Paulista. O modelo de negócio de Abba era inteligente: como já era dono da produção, também queria possuir o comércio. Dessa forma, não vendia as máquinas, mas criava grandes salões de jogos. Um verdadeiro parque de diversões para as crianças.
Não era por coincidência que a molecada era o grande público da Taito. As lojas foram estrategicamente posicionadas perto de escolas e outros locais de fácil acesso aos mais jovens. Assim, as filas para jogar eram comuns, o que chamou muita atenção – e alguns processos.
“Você está em uma loja e começa a colocar essas máquinas um pouco diferentes. Começou a formar fila na porta, começou a chamar muita atenção. Aí, veio a polícia perguntar. Estavam envolvidos menores. As máquinas não eram caça-níqueis, mas tinham esse negócio da aposta [a ficha]. Então, a gente sofreu algumas intervenções policiais, porque foi considerado jogo de azar. Teve uma vez que tivemos que entrar com um mandato de segurança para impedir o fechamento, com laudos do Instituto Criminalista falando que não era [jogo de azar]. Deu muita dor de cabeça na época”, lembra o advogado.
O fim em meio ao lucro
No começo dos anos 80, a Taito dominava o mercado de games no Brasil. Os primeiros Ataris só chegariam oficialmente por aqui em 1983, logo a falta de concorrência fez com que a empresa de Abba voasse alto em todas as capitais.
Versões adaptadas não autorizadas de jogos famosos nos Estados Unidos e Japão chegaram aqui com nomes abrasileirados. Black Knight virou Cavaleiro Negro; Video Hustler, Caçapa; e Donkey Kong se tornou Kong, por exemplo. O mesmo sucesso que essas máquinas faziam lá fora também faziam aqui, com uma única diferença: no Brasil, todas as máquinas era da Taito.
No auge do sucesso, em meados de 1985, Abba repentinamente resolve que é hora de fechar a fábrica de Manaus e sair do país. Mas por que, em pleno crescimento, fazer isso? O problema é pessoal.
Abba sempre foi tachado como um playboy, como um herdeiro de uma fortuna que só quer aproveitar a vida. Pier, contudo, ressalta uma outra faceta dele: “Ele era uma pessoa que, se gostava de você, falava: ‘vou te dar um carro, porque você é uma cara legal’. Ele tinha um coração aberto. Quem conta a história dele não conta isso. Ele era só visto como um playboy. Até era, mas dizer que era só isso, não. Ele era muito inteligente, mas o defeito dele era ser muito bom com as pessoas”.
Abraham Kogan, o Abba (foto: arquivo)
Essa bondade custou caro a Abba. Ao abrir filiais em nome de pessoas quem acabara de conhecer, ele foi ganhando também a fama de bobo dentro da própria Taito. Assim, Abba começou a ser “literalmente roubado” nas palavras de Pier. Tanto que foi ameaçado de sequestro e extorsão.
“Ele sofreu essas ameaças. Teve uma operação policial de grampear os telefones e nós pegamos todo mundo em flagrante, passando o dinheiro como se ele tivesse aceitado a chantagem, extorsão. Eles foram presos e condenados”, conta.
Com isso, Abba perdeu a vontade de ficar no Brasil. Em 1985, resolve que vai encerrar todas as operações no país e começa os trâmites para fechar a empresa por aqui. A Taito não declarou falência, não estava no vermelho, não passava dificuldades financeiras. Pelo contrário, crescia de forma muito forte. Mas isso não era suficiente para fazer Abba ficar.
“Em 1985, ele já tinha saído, deixou as representações para resolver as pendências. Ele fechou a empresa e começou a pagar todo mundo. Resolveu encerrar, mesmo dando lucro, não valia a pena. Ele tinha esse espírito, se divertia com a vida e dinheiro não era problema para ele”, recorda Pier.
Assim, Abba se muda com a família para o Canada em busca da paz que não teve aqui. Uma história de um russo que veio trazer uma tecnologia para o Brasil e foi recebido com processos e ameaças. A história das máquinas que encantaram milhares de crianças pelo país e que teve seu fim precoce por conta do medo. História essa que mudou os rumos da indústria de games por aqui.